De Almodóvar a Buñuel, passeio por Madri é um mergulho na cultura espanhola
Madri é uma das maiores capitais da Europa, moderna e cheia de possibilidades para seus visitantes, mas sem abandonar a aura tradicional, cultural e histórica de mais de dez séculos de existência.
'Fui construída sobre a água, minhas muralhas de fogo são: esta é minha fachada e meu brasão', canta o lema da cidade em suas origens. E tal como a descreve, Madri é um lugar de paradoxos, onde o passado milenar encontra o futuro ainda por nascer, onde a gentileza de quem luta pelo cotidiano divide palco com o caráter duro de gente que já passou por guerras sangrentas, onde a cultura tradicional convive com novas tribos e se renova.
Madri foi a primeira cidade que conheci fora do Brasil. De volta ao ano de 2008, época de minha primeira visita, o choque de todas essas disparidades com a cultura bonachona de todos os brasileiros foi inevitável, ainda que, não fugindo à regra dos contrastes, um tempero a mais para meus olhos que dali apenas sabiam o que tinham lido nos livros de História dos tempos de escola. Mais do que os preconceitos cultivados por sua localização geográfica para quem é do Novo Mundo, Madri ultrapassou minhas expectativas apresentando-me um ambiente livre e transgressor.
Foi caminhando pelas ruas que me apaixonei por ela. Tão kitsch quanto a mistura de gêneros artísticos que compõem a arquitetura da cidade foi boquiabrir-me, sentando à mesa de um bar em plena Plaza Mayor, fincada ali desde o século 15, com pensamentos inimaginados, cálculos mentais de datas comparadas, coisas do provincianismo de quem saiu do interior de Goiás, estado da federação cuja cidade mais antiga tem pouco mais de 300 anos. E como se estivera me relacionando com Madri no toque dos meus pés em seus ladrilhos, lembro-me até do desejo que fiz quando pulei as três vezes sobre o quilômetro zero na Puerta del Sol, centro efervescente da cidade, encontro das Calles Mayor, de Alcalá, de Arenal e de la Montera, repleto de cafés, restaurantes e comércios centenários.
Não guardo nem o rancor que poderia sentir daquele velho senhor espanhol ranzinza a quem solicitei informação, com o mapa da cidade nas mãos e muito pouco do idioma local na ponta de minha língua, depois de assumir que havia me perdido enquanto buscava o caminho até o Parque del Retiro, um lugar de verde, lagos, barquinhos azuis e namorados beijoqueiros entre fontes e esculturas de arte. Porque, ao contrário da ofensa, o contato com uma cultura tão distinta da sua - mesmo que se reconheça a origem de muitas de nossas ações coletivas enquanto país de origem ibérica - faz pintar um quadro tão pitoresco como se estivéssemos posando para Pablo Picasso ou sendo filmados por Luis Buñuel, depois, é claro, de ter tirado a famosa e verdadeira siesta.
Amadurecer turístico
'Fui construída sobre a água, minhas muralhas de fogo são: esta é minha fachada e meu brasão', canta o lema da cidade em suas origens. E tal como a descreve, Madri é um lugar de paradoxos, onde o passado milenar encontra o futuro ainda por nascer, onde a gentileza de quem luta pelo cotidiano divide palco com o caráter duro de gente que já passou por guerras sangrentas, onde a cultura tradicional convive com novas tribos e se renova.
Madri foi a primeira cidade que conheci fora do Brasil. De volta ao ano de 2008, época de minha primeira visita, o choque de todas essas disparidades com a cultura bonachona de todos os brasileiros foi inevitável, ainda que, não fugindo à regra dos contrastes, um tempero a mais para meus olhos que dali apenas sabiam o que tinham lido nos livros de História dos tempos de escola. Mais do que os preconceitos cultivados por sua localização geográfica para quem é do Novo Mundo, Madri ultrapassou minhas expectativas apresentando-me um ambiente livre e transgressor.
Foi caminhando pelas ruas que me apaixonei por ela. Tão kitsch quanto a mistura de gêneros artísticos que compõem a arquitetura da cidade foi boquiabrir-me, sentando à mesa de um bar em plena Plaza Mayor, fincada ali desde o século 15, com pensamentos inimaginados, cálculos mentais de datas comparadas, coisas do provincianismo de quem saiu do interior de Goiás, estado da federação cuja cidade mais antiga tem pouco mais de 300 anos. E como se estivera me relacionando com Madri no toque dos meus pés em seus ladrilhos, lembro-me até do desejo que fiz quando pulei as três vezes sobre o quilômetro zero na Puerta del Sol, centro efervescente da cidade, encontro das Calles Mayor, de Alcalá, de Arenal e de la Montera, repleto de cafés, restaurantes e comércios centenários.
Não guardo nem o rancor que poderia sentir daquele velho senhor espanhol ranzinza a quem solicitei informação, com o mapa da cidade nas mãos e muito pouco do idioma local na ponta de minha língua, depois de assumir que havia me perdido enquanto buscava o caminho até o Parque del Retiro, um lugar de verde, lagos, barquinhos azuis e namorados beijoqueiros entre fontes e esculturas de arte. Porque, ao contrário da ofensa, o contato com uma cultura tão distinta da sua - mesmo que se reconheça a origem de muitas de nossas ações coletivas enquanto país de origem ibérica - faz pintar um quadro tão pitoresco como se estivéssemos posando para Pablo Picasso ou sendo filmados por Luis Buñuel, depois, é claro, de ter tirado a famosa e verdadeira siesta.
Amadurecer turístico
Quando o mundo interiorano de um rapaz de sorte então se expande, os parâmetros, as referências, se restabelecem. Para quem leu, por exemplo, o Don Quixote, de Miguel de Cervantes, escutar o original sendo interpretado em praça pública dá vontade de encarar figuras imaginárias, porque essa personalidade tão definida da cidade me permitiu o entendimento de que tornar a vida ficção pode ser uma espécie de respiro para a realidade. Madri, dessa forma, permite, nesse recobro nostálgico, encarar um passado que indiretamente não é seu, mas cuja relembrança é de posse inevitável. Especialmente ao se degustar o famoso jamón serrano, a especiaria mais madrilenha por natureza.
Assim, seja tapeando num dos bares da cidade, seja sentado no banco da Catedral de Almudena, entre as estátuas da Plaza de Oriente ou na porta do Teatro Español, numa apresentação de flamenco ou de zarzuela, sente-se a alma das pedras, a vida das paredes, a voz da história, tudo ao mesmo tempo no agora. Barroco, surrealista ou cubista, é natural respirar arte clássica, moderna, contemporânea. No Museo del Prado, por exemplo, uma das maiores coleções de arte renascentista da Europa, a beleza estética do humano me serviu para, já no Museo Reina Sofia, reconhecer a força poética do desumano de uma guerra civil no célebre 'Guernica', de Picasso.
E da mesma forma que Nova York está para Woody Allen e Roma está para Federico Fellini, viver o cotidiano de Madri é como estar numa sequência de uma das obras de Pedro Almodóvar – figura fácil de se ver no Museo Chicote, um bar cool em seus quase 80 anos de história. Basta ir ao bar Villa Rosa, por exemplo, na Plaza Santa Ana, para se imaginar no enredo do filme 'De Salto Alto', ou ao Museo del Jamón para ver-se em 'Carne Trémula'. Ou talvez, caso você queira viver seu próprio filme, independentemente de suas opções de vida, vá a Chueca sem receios.
O importante mesmo – e isso é Madri em suas raízes – é a sofisticação da simplicidade: praças, ruas, museus, igrejas, prédios, arquitetura, arte, comida, dança, festas, montanhas, peregrinação, religiosidade que compõem, diante dos olhos encantados do turista, o discreto, mas sensível, charme da nostalgia de um povo e, ainda mais bonito, em tempos de tão pouca delicadeza sentimental, também da nossa.
Fonte: http://viagem.uol.com.br/guia/cidade/madri.jhtm
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