terça-feira, 1 de novembro de 2011

MONTI - Roma

Monti é um tesouro tranquilo no meio da agitação de Roma

As pessoas às vezes perambulam pela Via Panisperna em Roma cientes de que estão perdidas, mas não se preocupando a respeito. A vista é divina dali, um pedaço da Basílica de Santa Maria Maggiore ensanduichado entre prédios de apartamentos do século 19, palacetes dilapidados, a elevada Igreja de San Lorenzo em Panisperna e comércio como o Macelleria Stecchiotti, um açougue que vende algumas das melhores carnes de Roma. O proprietário, Pietro Stecchiotti, apelidado no bairro de ‘Pol Pot’ por sua profissão e por ser um comunista ardoroso, alega que plantou os vinhedos em frente à sua loja na Via Panisperna, emoldurando uma paisagem quintessencialmente romana.

Esta é Monti, o primeiro distrito de Roma - ou Rione I, como diz os marcadores de rua de mármore colocados no século 18 - situado entre a movimentada Via Cavour e Via Nazionale, ao leste do Fórum. Apesar de menos conhecido pelos turistas do que distritos como Campo de’ Fiori e Piazza Navona, ele é supostamente mais romano: um bairro de classe operária no coração do centro histórico, que está passando por uma valorização. É um lugar onde um amolador de facas ainda passa mensalmente enquanto jovens empreendedores estão abrindo cafés-livrarias artísticos, lojas de roupas vintage, mercados de produtos orgânicos e galerias.

Monti, em Roma

Set de filmagem de uma produção utiliza as ruas de Monti, o primeiro distrito de Roma, na Itália

Passar algum tempo aqui é suficiente para fazer um turista sonhar em empacotar suas coisas e se mudar para Roma. Isso aconteceu comigo. Certa vez eu fiz uma parada na Via Panisperna e nunca esqueci. Quando decidi me mudar para Roma em 2007, eu encontrei um apartamento descendo o morro na Via Baccina, que percorre algumas poucas quadras sedutoras entre o Fórum Romano e a encantadora pequena Piazza della Madonna dei Monti, a ‘sala de estar’ de paralelepípedos, gentilmente inclinada, onde as crianças jogam a futebol após a escola, jovens de 20 e poucos anos fumam enquanto falam ao celular e vovós se sentam juntas, comparando notas a respeito dos ocupantes notáveis de seus carrinhos de bebê.

A fonte no meio da praça é um tipo simples renascentista, com algumas poucas figuras grotescas olhando atravessado e uma torneira que jorra constantemente, da qual os cães do bairro bebem água romana pura. Em abril há um festival na praça diminuta, como eu descobri, com música italiana gratuita, favas e vinho. Quando um morador de rua local conhecido morreu no ano passado, um relicário caseiro, com velas e elogios manuscritos, apareceu na praça.

Imagine que prazer foi mudar para o distrito, comprar toalhas de pratos e jardineiras em uma casalinghi lotada - que vende de tudo, de pasta de dente até ratoeiras - especialmente quando descobri que a matrona romana que era dona da loja morava em um apartamento na Via Baccina, diante do meu. Pela manhã nós conversávamos de nossas janelas sobre a excelente saúde dos meus gerânios, ela vestindo roupão e eu com meu regador.

Quando me mudei de volta aos Estados Unidos em meados do ano passado, eu só consegui por estar ciente de que poderia retornar para Monti sempre que quisesse. Eu voltei em abril e encontrei quase tudo igual, se não melhor.

Na De Valentino, uma pequena trattoria à moda antiga no lado de Monti do Monte Quirinal, a mesma garçonete alegre serve todas as mesas, lotadas de bancários e funcionários do governo ao meio-dia, quando um único prato de massa é servido; os pratos de carne e frango são mais populares, com um prato de queijo scamorza grelhado como entrada.

De lá, uma caminhada pós-refeição pela Via del Boschetto cai bem, com paradas em lojas de design e moda como a Tina Sondergaard, para moda feminina sutilmente retrô, feita sob medida; Fabio Picconi, que retrabalha inteligentemente bijuterias antigas; e a Le Nou, que chegou ao bairro neste ano, onde duas universitárias recém-formadas, Leila Testa e Eugenia Barbari, ficam sentadas diante de máquinas de costura fazendo moda bacana.

Monti é uma colmeia de artistas em ascensão. Não há Guccis e Pradas aqui. Então, quando uma American Apparel abriu há poucos anos na Via dei Serpenti, os estrangeiros que foram atraídos para o bairro, pelos mesmos motivos que eu, começaram a ler ruína nas folhas de chá; Monti, eles temiam, estava fadada à ruína como a central de festas Campo de’ Fiori.

Monti está mudando, com certeza, mas os traços da velha Monti estão por toda parte. A poucas quadras da American Apparel, em um estúdio térreo lotado na Via Neofiti, Umberto Silo vende legítimas quinquilharias romanas - molduras de fotos quebradas, abajures manchados e chapéus velhos. Ele fica sentado à meia-luz mexendo em relógios e ventiladores parados; ele prepara suas refeições em um fogareiro a gás no canto. Mas em seus dias de glória, ele foi um boxeador de sucesso que treinava no L’Audace, um ginásio no porão que abriu em 1901 na Bia Frangipane, em Monti. O ginásio ainda está lá, cheirando a meias suadas e campeões em treinamento como Silo.

Virando a esquina na Via Neofiti, as portas estão quase sempre abertas na Igreja da Madonna dei Monti, projetada pelo arquiteto e escultor do século 16, Giacomo della Porta. Sua congregação vai à Missa no domingo vestindo o que tem de melhor, e quando alguém do bairro morre, as lojas e bares fecham por algumas horas, para que os proprietários possam ir ao funeral. Certo ano, por volta da Páscoa, um padre tocou a campainha e se ofereceu para abençoar meu apartamento.

Nadia Shira Cohen/The New York Times 

Monti conseguiu manter seu caráter em parte por estar fora do caminho batido, no lado oposto do Fórum Romano de partes mais populares do centro histórico. E não há grandes atrações turísticas da ordem de um Panteão no coração do distrito, o que não significa que Monti careça de locais interessantes.

Santa Maria Maggiore uma das quatro grandes basílicas papais da cidade, fica no leste do distrito. O Coliseu e a Igreja de San Pietro in Vincoli, lar do “Moisés” de Michelangelo, ficam ao sul. O Scuderie del Quirinale, um museu que oferece exposições importantes, como a grande exposição de Filippino Lippi no outono, dá vista para Monti ao norte. A margem oeste do bairro é formada por uma muralha ao longo da Via Tor de’ Conti, dando de encontro aos fóruns de Augusto, Vespasiano, Trajano e Nerva.

O muro foi construído para separar a Roma Imperial de Monti, um bairro pobre nos tempos antigos conhecido como Subura. Seus cafetões e degoladores são coisa do passado, mas visitar o formidável Palácio Valentini, na próxima Via IV Novembre, dá uma ideia de como era o distrito. No porão do palácio, atualmente a sede do governo provincial, um vilarejo escavado nas margens de Subura está em exibição para os visitantes. Logo após a abertura do sítio, em 2007, eu fiz uma visita, que incluía um show de som e luzes, gerado por computador, que acentuava os pisos com mosaicos, os fragmentos de afrescos e termas ao mesmo tempo em que tentava dar vida ao mundo rude, agitado e sangrento da Monti do século 4º. Recriações de áudio e vídeo de centuriões e ladrões roubando em Subura podem parecer distrações bregas para alguns, mas eu as considerei quase tão boas quanto a série ‘Roma’ da HBO.

Monti permaneceu um bairro atrasado e de má reputação até que Roma se transformou na capital da Itália unida, em 1871. Então, largos bulevares como a Nazionale e Cavour foram abertos em suas margens, e nos anos 30 uma seção inteira do distrito, próxima do Fórum, foi demolida para dar espaço para a grandiosa Via dei Fori Imperiali de Mussolini. Prédios de apartamento de quatro e cinco andares, financiados por especuladores imobiliários, atraíram famílias para o bairro.

Agora, os mesmos prédios foram eviscerados e redesenhados de modo elegante pelos senhorios, que substituíram os antigos moradores por estrangeiros e romanos mais ricos, atraídos dos subúrbios para o centro histórico. Em minha visita em abril, eu fiquei hospedada no Palazetto degli Artisti, um hotel-butique barato, com móveis contemporâneos baratos, porém alegres, em um prédio do século 19 na envolvente Via della Madonna dei Monti.

Como em toda parte, a valorização imobiliária gera conflito, como narrado em ‘Evicted from Eternity: The Restructuring of Modern Rome’ de Michael Herzfeld, um antropólogo de Harvard. O estudo de 2009 conta a história das greves de aluguéis e da má vontade entre novos e velhos moradores, ao mesmo tempo em que descreve o prazer e fascínio de viver em Monti, por mais que esteja mudando.

No ano passado, próximo de quando me mudei de volta aos Estados Unidos, um bar de aparência descolada, como os encontrados em torno da Campo de’ Fiori, abriu na diminuta Piazza della Madonna dei Monti. Até mesmo para mim, pareceu ser um desenvolvimento preocupante. Mas no meu retorno, o bar tinha fechado e a praça tinha voltado a pertencer aos futuros astros do futebol, das vovós fofoqueiras e dos moradores de rua familiares de Monti.

Eu me sentei em um café ali, assistindo o mundo da Monti do século 21 se desdobrando, e conversando com Silvano Mazzarella, vice-presidente da Organização Cultural, Esportiva e Recreativa de Monti, um clube cívico que organiza uma Octoberfest no Parque Aldobrandini, o único espaço verde do distrito, empoleirado um terraço elevado, murado, acima da Via Nazionale.

Quando perguntei sobre o bar, ele baixou suas sobrancelhas grossas e disse misteriosamente: “Os velhos não aprovaram, então algumas irregularidades foram encontradas e o local foi fechado”. Então, preparando um espresso, ele acrescentou: “Monti mudou muito, mas ainda é um vilarejo”.

Tradução: George El Khouri Andolfato
 

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