segunda-feira, 28 de novembro de 2011

São João Marcos - RJ

São João Marcos, no Rio, é o primeiro parque arqueológico urbano do Brasil

Uma nova rota do turismo cultural no Rio de Janeiro resgata a memória de uma das mais importantes cidades no período do café às margens da antiga Estrada Real. Caminhar pelas ruínas da extinta cidade São João Marcos, na região do Vale do Paraíba, que hoje abriga o primeiro parque arqueológico urbano do Brasil, é revisitar uma história que quase foi apagada.

O Parque Ambiental e Arqueológico de São João Marcos situa-se a vinte quilômetros de uma pequena cidade de 17 mil habitantes, Rio Claro, ao longo da rodovia estadual RJ-149 na Serra do Piloto.

São João Marcos, no RJ



A ponte Padre Peres foi construída em pedra e cantaria sobre o Córrego das Pedras, na cidade de São João Marcos
Para se chegar à São João Marcos, que está 430 metros acima do nível do mar, é preciso percorrer 110 quilômetros do Rio de Janeiro pela BR 101 (Rio-Santos) até o município de Mangaratiba, em seguida seguir outros vinte quilômetros pela RJ 149 sentido Rio Claro. A pequena estrada arborizada e com curvas percorre a Serra do Piloto com um lindo visual para a baía de Mangaratiba.

Na estrada, há trechos que permanecem originais da Estrada Real, com o mirante onde Dom Pedro parava para apreciar a vista e quedas d’água pelo caminho. Considerada uma estrada-parque com ‘zoo-passagens’ para não atrapalhar a fauna local, o caminho até chegar à extinta São João Marcos é bastante arborizado. A Serra do Piloto fica localizada dentro do Parque Estadual do Canhambebe, uma área verde preservada e um corredor de biodiversidade em plena Mata Atlântica.

Na época do Ciclo do Café
Inaugurado em junho deste ano, a área de 930 mil metros quadrados do parque abriga estruturas remanescentes de ruas e construções da cidade de São João Marcos, uma das mais importantes na época do Ciclo do Café.

A cidade teve o seu auge em 1870, quando chegou a ter mais de vinte mil habitantes. Na rota do café, foi uma das cidades mais importantes do Império, pois ficava no caminho da Estrada Real, principal via de ligação no Brasil Colônia. A estrada seguia de Paraty, no sul do Rio de Janeiro, até Vila Rica (atual Ouro Preto), em Minas Gerais.

Após a virada da República, em 1889, a cidade já estava vivendo um período de decadência e, na década de 1940, sua população não passava de 4.500 moradores. O fim de São João Marcos foi decretado quando o Rio de Janeiro vivia a iminência de falta d’água e era necessária a criação da barragem de Ribeirão das Lajes. O governo de Getúlio Vargas, durante o Estado Novo, baixou um decreto para retirar os moradores dali, tendo todas as construções demolidas. Na época, Vargas autorizou a empresa Light a aumentar a área da barragem a ser alagada.

Recuperação das ruínas
São João Marcos foi a primeira cidade no Brasil a ser tombada porque tinha marcos arquitetônicos importantes, mas se rendeu à pressão da energia elétrica e foi ‘destombada’ para a construção da barragem, segundo o coordenador do projeto do parque, Luís Felipe Younes do Amaral.

Segundo Amaral, foi realizado um trabalho intenso de pesquisas arqueológicas ao longo de dois anos que reuniu uma equipe multidisciplinar de arqueólogos, historiadores e engenheiros. Foram investidos, ao todo, cerca de R$ 5,5 milhões de reais para a construção do parque. Só para o trabalho de escavações arqueológicas feito em conjunto com o Instituto de Arqueologia Brasileira (IAB), foram cerca de R$ 300 mil reais. Um projeto de reflorestamento da área degradada plantou árvores da Mata Atlântica numa porção de 33 mil metros quadrados.

“Hoje a cidade inteira é um sítio arqueológico. As ruínas da cidade formam um grande museu a céu aberto e o primeiro sítio arqueológico urbano do Brasil”, conta.

Escavações
Nas redondezas de São João Marcos existiam 150 propriedades, sendo a principal a Fazenda Olaria, do coronel Joaquim Breves de Souza, considerado o Rei do Café no Império e muito amigo de Dom Pedro. Sozinho, o coronel Breves tinha cerca de seis mil escravos em sua propriedade. Quando a área foi alagada, a Fazenda Olaria não foi poupada.

Na principal via de acesso às ruínas da cidade, um bosque de Mulungus dá as boas-vindas ao visitante. As árvores percorrem toda a antiga Rua Jorge Americano Freire. No mapeamento arqueológico feito até agora, já foram detectadas dez ruas da cidade.

“A ideia é que seja um sítio arqueológico vivo, a cidade inteira foi escavada. Isso também vai ajudar a aquecer o turismo da região”, destaca Amaral.

André Telles/Divulgação
Caminho arborizado pela Mata Atlântica para chegar à entrada da cidade de São João Marcos, no Rio de Janeiro

Vocação para o ecoturismo
O secretário de Turismo da pequena cidade de Rio Claro, o município mais próximo do parque, acredita que apesar de São João Marcos ter se tornado o principal atrativo da região, o local já tem uma vocação natural para o ecoturismo com quedas d’água e potencial para desenvolver-se. “As cachoeiras são ainda pouco exploradas”, afirma Daniel Pereira Barbosa.

A represa de Ribeirão das Lages é hoje um dos maiores reservatórios de água potável da América do Sul com cinco mil hectares. Segundo o secretário de Meio Ambiente de Rio Claro, Mario Vidigal, o reservatório faz parte do complexo da bacia hidrográfica do Guandu e Rio Claro, respondendo por 20% do abastecimento da região metropolitana do Rio de Janeiro. A sua água é considerada de classe especial, praticamente pronta para o consumo, além de ser usada na fabricação de cerveja. Além disso, o reservatório também fornece energia elétrica e é utilizado para pesca esportiva.

Flora e fauna da Mata Atlântica
A fauna e a flora da região são bastante ricas. Pacas, capivaras, tatus, porcos do mato, onças, jacus e pássaros silvestres como o trinca-ferro, o curió e o sabiá podem ser vistos ali. Mulungus ou suinãs, árvores de tronco alto trazidas pelos portugueses, ipês amarelos e roxos, palmeiras Jussara e Monjolos também fazem parte da paisagem.

Tereza de Jesus Souza, 45, é uma das guias turísticas do parque. O circuito de visitação por toda a cidade leva cerca de meia hora de caminhada, e passa pelas ruínas da Igreja da Matriz, do Teatro Municipal Tibiriçá, da Casa do Capitão-Mor, da Prefeitura e Câmara da cidade e das principais praças, Feliciano Sodré e 5 de Julho.

“A Igreja da Matriz foi a última construção a ser demolida em 1943. Já em 1945, a barragem começou a encher. Na época teve muita resistência da população que se refugiou na igreja para impedir que ela fosse demolida”, disse.

De junho até outubro, cerca de 4.500 visitantes já circularam pelo sítio arqueológico e ambiental. Pouco mais de três meses após a inauguração, o Parque já é reconhecido por sua excelência na conservação do patrimônio. No último dia 19 de setembro, o IPHAN (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) anunciou a entrega do Prêmio Rodrigo Melo Franco de Andrade, o mais importante do Brasil em reconhecimento à conservação de patrimônio na categoria Proteção do Patrimônio Natural e Arqueológico.



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